doi: 10.56294/mw202476

 

REVISÃO

 

Medical Education Abroad: Reflections and Experiences of a Brazilian Student in Paraguay

 

La Formación Médica en el Extranjero: Reflexiones y Vivencias de una Estudiante Brasileña en Paraguay

 

A Formação Médica no Exterior: Reflexões e Vivências de uma Estudante Brasileira no Paraguai

 

Eduardo Paglioni Salama1  *, Fabiana Gnoatto2  *

 

1Universidad Internacional Tres Fronteras, Facultad de Ciencias de la Salud - Medicina. Ciudad del Este, Paraguay.

2Secretaria da Saúde do Município de Santa Helena, estado do Paraná, Brasil.

 

Citar como: Paglioni Salama E, Gnoatto F. Medical Education Abroad: Reflections and Experiences of a Brazilian Student in Paraguay. Seminars in Medical Writing and Education. 2024; 3:76. https://doi.org/10.56294/mw202476

 

Recebido: 15-11-2023                   Revisado: 26-03-2024                   Aceito: 13-06-2024                 Publicado: 14-06-2024

 

Editor: Dr. José Alejandro Rodríguez-Pérez

 

ABSTRACT

 

Medical training outside Brazil has emerged as a significant choice for many Brazilians seeking more accessible educational alternatives. This article aims to explore the reflections and experiences of Dr. Fabiana Gnoatto, a former Brazilian student who chose to study medicine in Paraguay. Her account analyzes the challenges she faced, the coping strategies she adopted and the lessons she learned throughout her academic and professional career. Among the main challenges identified was adapting to a different curriculum and varied teaching methodologies, requiring substantial academic flexibility on the part of Brazilians who chose to study medicine in Paraguay. The language barrier, marked by the need to master Spanish in order to follow classes and interact effectively, emerges as one of the greatest difficulties faced by this group. In addition, cultural integration is complex, requiring students to adapt to local customs and practices. The distance from family and friends, combined with academic and personal pressure, tends to generate high levels of stress and anxiety, making it a significant additional challenge. To mitigate these challenges, Brazilian students need to develop a range of strategies that might not be necessary if they were pursuing the same career in their home country. Advance preparation and planning for this student migration is essential to achieving efficient academic performance. Active participation in classes, combined with the formation of study groups, would facilitate understanding, assimilation of content and the exchange of experiences between these individuals who almost always share the same difficulties in adapting. The development of local support networks emerges as a crucial element, providing emotional and practical support. Maintaining constant contact with family and friends, using modern technology, would help to reduce the feeling of isolation. Seeking psychological support, which is essential for dealing with stress, complements adaptation strategies. Participating in cultural activities in the host country, adapting to local customs and lifestyle are also key to successful integration. Dr. Fabiana Gnoatto’s experiences show that, with determination, appropriate strategies and support, it is possible to overcome obstacles and achieve a successful medical career without losing quality of life during academic training. Their experiences serve as a paradigmatic guide for future students, helping them to prepare more effectively and face the challenges of international medical training. In this way, they can transform a challenging experience into an opportunity for personal and professional growth, highlighting the importance of resilience and adaptation in diverse educational and cultural contexts.

 

Keywords: Medical Students; Medical Schools; Medicine; Paraguay.

 

RESUMEN

 

La formación médica fuera de Brasil ha surgido como una opción importante para muchos brasileños que buscan alternativas educativas más accesibles. Este artículo pretende explorar las reflexiones y experiencias de la Dra. Fabiana Gnoatto, una antigua estudiante brasileña que eligió estudiar medicina en Paraguay. Su relato analiza los retos a los que se enfrentó, las estrategias de afrontamiento que adoptó y las lecciones que aprendió a lo largo de su carrera académica y profesional. Los principales desafíos identificados incluyen la adaptación a un currículo diferente y a metodologías de enseñanza variadas, que exigen una gran flexibilidad académica por parte de los brasileños que eligieron estudiar medicina en Paraguay. La barrera idiomática, marcada por la necesidad de dominar el español para seguir las clases e interactuar eficazmente, surge como una de las mayores dificultades enfrentadas por este grupo. Además, la integración cultural es compleja, ya que requiere que los estudiantes se adapten a las costumbres y prácticas locales. La distancia con la familia y los amigos, combinada con la presión académica y personal, tiende a generar altos niveles de estrés y ansiedad, convirtiéndose en un importante reto adicional. Para mitigar estos retos, los estudiantes brasileños necesitan desarrollar una serie de estrategias que podrían no ser necesarias si cursaran la misma carrera en su país de origen. La preparación previa y la planificación de esta migración estudiantil son esenciales para lograr un rendimiento académico eficiente. La participación activa en las clases, combinada con la formación de grupos de estudio, facilitaría la comprensión, la asimilación de contenidos y el intercambio de experiencias entre estas personas que casi siempre comparten las mismas dificultades de adaptación. El desarrollo de redes locales de apoyo surge como un elemento crucial, que proporciona apoyo emocional y práctico. Mantener un contacto constante con la familia y los amigos, utilizando la tecnología moderna, ayudaría a reducir el sentimiento de aislamiento. La búsqueda de apoyo psicológico, esencial para hacer frente al estrés, complementa las estrategias de adaptación. Participar en actividades culturales en el país de acogida, adaptarse a las costumbres locales y al estilo de vida también son claves para el éxito de la integración. Las experiencias de la Dra. Fabiana Gnoatto demuestran que, con determinación, estrategias adecuadas y apoyo, es posible superar los obstáculos y lograr una carrera médica de éxito sin perder calidad de vida durante la formación académica. Sus experiencias sirven de guía paradigmática para los futuros estudiantes, ayudándoles a prepararse más eficazmente y a afrontar los retos de la formación médica internacional. De este modo, pueden transformar una experiencia desafiante en una oportunidad de crecimiento personal y profesional, destacando la importancia de la resiliencia y la adaptación en contextos educativos y culturales diversos.

 

Palabras clave: Estudiantes de Medicina; Facultades de Medicina; Medicina; Paraguay.

 

RESUMO

 

A formação médica fora do Brasil tem emergido como uma escolha significativa para muitos brasileiros que buscam alternativas educacionais mais acessíveis. Este artigo visa explorar as reflexões e vivências da Dra. Fabiana Gnoatto, uma ex-estudante brasileira que optou por cursar medicina no Paraguai. Através de seu relato, são analisados os desafios enfrentados, as estratégias de superação adotadas e as lições aprendidas ao longo de sua trajetória acadêmica e profissional. Entre os principais desafios identificados, destaca-se a adaptação a um currículo distinto e a metodologias de ensino variadas, exigindo uma flexibilidade acadêmica substancial por parte dos brasileiros que escolheram estudar medicina no Paraguai. A barreira linguística, marcada pela necessidade de domínio do espanhol para acompanhar as aulas e interagir de forma eficaz, emerge como uma das maiores dificuldades enfrentadas por esse público. Adicionalmente, a integração cultural revela-se complexa, exigindo dos estudantes uma adaptação aos costumes e práticas locais. A distância da família e amigos, aliada à pressão acadêmica e pessoal, tende a gerar elevados níveis de estresse e ansiedade, configurando-se como um desafio adicional significativo. Para mitigar esses desafios, os estudantes brasileiros precisam desenvolver uma gama de estratégias que talvez não fossem necessárias caso cursassem a mesma carreira em seu país natal. A preparação antecipada e o planejamento dessa migração estudantil mostram-se essenciais para alcançar um desempenho acadêmico eficiente. A participação ativa nas aulas, aliada à formação de grupos de estudo, facilitaria o entendimento, a assimilação do conteúdo e a troca de experiência entre esses indivíduos que compartilham quase sempre as mesmas dificuldades de adaptação. O desenvolvimento de redes de apoio locais emerge como um elemento crucial, proporcionando suporte emocional e prático. Manter o contato constante com a família e amigos, utilizando-se de tecnologias modernas, ajudaria a reduzir a sensação de isolamento. A busca por apoio psicológico, essencial para lidar com o estresse, complementa as estratégias de adaptação. A participação em atividades culturais no país anfitrião, a adaptação aos costumes alimentares e ao estilo de vida locais são, também, fundamentais para uma integração bem-sucedida. As experiências da Dra. Fabiana Gnoatto evidenciam que, com determinação, estratégias adequadas e suporte, é possível superar os obstáculos e alcançar sucesso na carreira médica sem perder a qualidade de vida durante a formação acadêmica. Suas vivências servem como um guia paradigmático para futuros estudantes, ajudando-os a se prepararem de maneira mais eficaz e a enfrentarem os desafios de uma formação médica internacional. Dessa forma, podem transformar uma experiência desafiadora em uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional, destacando a importância da resiliência e da adaptação em contextos educacionais e culturais diversos.

 

Palavras-chave: Estudantes de Medicina; Faculdades de Medicina; Medicina; Paraguai.

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

A formação médica no exterior é uma realidade para muitos estudantes brasileiros que buscam alternativas para alcançar o sonho de se tornarem médicos.(1) Este artigo explora as reflexões e vivências de uma brasileira que optou por estudar medicina no Paraguai. Através do relato da Dra. Fabiana Gnoatto, agora já médica formada e atuante, podemos entender os desafios, as dificuldades e as superações enfrentadas ao longo desse percurso acadêmico e profissional.

Estudar medicina em outro país mescla desafios acadêmicos e sociais de uma maneira que poucas outras experiências exigiriam. Aspectos como a adaptação a um novo sistema educacional, a imersão em uma cultura diferente e o enfrentamento de barreiras linguísticas podem ser desafios maiores que os já inerentes à carreira acadêmica pretendida.(2) Tudo isso pode ser especialmente desafiador para aqueles que, como a Dra. Fabiana, deixam para trás suas raízes, família e amigos para buscar a formação superior.

A experiência da Dra. Fabiana Gnoatto se mostra emblemática, refletindo a de muitos brasileiros que escolhem o Paraguai como destino para sua formação médica. Formada pela Universidad Privada del Este (UPE) de Ciudad del Este, Dra. Fabiana compartilha suas experiências desde a decisão de estudar fora do Brasil até o retorno ao país natal, onde atua como médica auditora e diretora técnica no município de Santa Helena, Paraná.

Este artigo busca oferecer uma visão detalhada da formação médica no Paraguai, destacando as perspectivas de que enfrentou e superou essa jornada. Ao evidenciar as principais dificuldades encontradas nesse caminho, as estratégias utilizadas para superar os obstáculos e as lições aprendidas durante os anos da formação, pretende-se fornecer um relato autêntico e realista dessa experiência educacional e social internacional. Espera-se que essa experiência sirva de paradigma para futuros estudantes e contribua para um melhor entendimento das realidades que aguardam os quem optam pela formação médica no exterior, especialmente no Paraguai.(3,4)

 

Objetivos

Objetivo Geral

·      Identificar os principais desafios enfrentados por estudantes brasileiros durante a formação médica no Paraguai.

 

Objetivos Específicos

·      Descrever as dificuldades acadêmicas da formação médica de brasileiros no Paraguai.

·      Apontar as barreiras encontradas no processo de integração cultural de brasileiros durante a formação médica no Paraguai.

·      Apresentar as estratégias de adaptação e superação de obstáculos acadêmicos e pessoais utilizadas por brasileiros estudantes de medicina no Paraguai.

·      Oferecer recomendações e orientações para futuros estudantes que consideram estudar medicina no exterior.

 

METODOLOGIA

Tipo de Estudo

Este estudo é de natureza qualitativa e descritiva, focado na análise das experiências pessoais e profissionais da participante durante sua formação médica no Paraguai. Nesse contexto, a abordagem qualitativa e descritiva permite explorar suas experiências, e oferecer uma compreensão das dificuldades, das estratégias de superação e das lições aprendidas ao longo de sua trajetória acadêmica e profissional. Esta metodologia mostra-se adequada para captar as vivências pessoais da conferencista, utilizando-as como referência para o entendimento das realidades vividas por indivíduos que empreenderam essa mesma jornada.

 

Participante

A participante da conferência é a Dra. Fabiana Gnoatto de 30 anos de idade, médica formada pela Universidad Privada del Este (UPE) de Ciudad del Este, Paraguai. Dra. Fabiana possui seu título acadêmico convalidado no território brasileiros, é pós-graduada em saúde pública e reumatologia e, atualmente cursa pós-graduação em neuropediatria, ambos no Brasil. Além disso, atua como médica auditora e diretora técnica no município de Santa Helena, Paraná, Brasil.

 

Coleta de Dados

Os dados foram coletados por meio de uma entrevista semiestruturada com a Dra. Fabiana Gnoatto, realizada em um formato de diálogo aberto durante a execução, transmissão on-line e gravação do Congresso de Medicina “Brasileiros além das fronteiras: A Jornada Médica no Paraguai”, no dia 04 de maio de 2024, no município de Foz do Iguaçu, estado do Paraná, Brasil.

 

Análise de Dados

A análise de dados foi conduzida através da técnica de análise de conteúdo, que permite a identificação e categorização dos principais temas e padrões emergentes dos relatos da participante. O processo envolveu as seguintes etapas:

·      Transcrição: A entrevista foi transcrita integralmente para garantir a precisão dos dados.

·      Codificação: Os dados transcritos foram codificados, com a identificação de temas e subtemas relevantes.

·      Categorização: Os códigos foram organizados em categorias temáticas que refletem os principais aspectos das experiências da conferencista.

·      Interpretação: As categorias temáticas foram interpretadas e discutidas à luz dos objetivos do estudo, proporcionando uma visão abrangente das vivências relatadas.

 

Limitações

Este estudo apresenta algumas limitações inerentes à sua natureza qualitativa e à análise de um único caso. As experiências relatadas pela Dra. Fabiana podem não ser generalizáveis para todos os estudantes brasileiros de medicina no Paraguai. No entanto, podem ser utilizados para a reflexão sobre as experiências compartilhadas pelo público que reúne as mesmas características e anseios, como a formação médica internacional.

 

DISCUSSÃO

A formação médica no Paraguai representa uma escolha significativa para muitos estudantes brasileiros que buscam oportunidades educacionais e profissionais além das fronteiras nacionais. Esta decisão é frequentemente motivada pelas dificuldades encontradas no ingresso à formação médica no Brasil. Destacam-se fatores como a alta competitividade dos concursos de admissão em universidades públicas, o número limitado de vagas nos cursos médicos dessas instituições e os custos elevados das mensalidades nas faculdades particulares brasileiras. A possibilidade de uma formação acadêmica internacional que oferece soluções para esses e outros obstáculos cria um fenômeno de migração educacional transfronteiriça que tem ganhado notoriedade crescente nos últimos anos.(5,6,7)

Apesar do perceptível aumento no número de indivíduos que optam por esse caminho para obter a formação médica, a análise e descrição detalhada das dificuldades inerentes a essa experiência não evoluiu na mesma proporção. A partir da análise das experiências da Dra. Fabiana Gnoatto, podemos identificar e descrever os principais desafios enfrentados ao longo dessa trajetória, bem como apresentar as estratégias adotadas para superá-los e oferecer algumas recomendações e orientações que podem servir como guia para os brasileiros que pretendem seguir essa mesma empreitada.(7,8,9,)

 

Principais Desafios Enfrentados por Estudantes Brasileiros

Os estudantes de medicina, em qualquer lugar mundo, enfrentam desafios acadêmicos semelhantes. A extensa carga de aprendizado teórico, as largas horas de práticas e a exaustão psicoemocional de uma das carreiras acadêmicas mais extenuantes são alguns dos aspectos comumente conhecidos. Entretanto, os estudantes que optam por cursar medicina fora de seu país natal enfrentam uma série de desafios distintos. Entre os mais significativos estão as dificuldades de adaptação cultural e a barreira linguística.(3) A transição para um novo ambiente cultural, a distância geográfica de seu círculo de apoio pessoal, juntamente com a já conhecida exaustiva rotina de estudos da carreira médica, exigem uma adaptação rápida e eficaz por parte desses alunos.(10,11,12)

A aparente similaridade entre as culturas latino-americanas esconde uma diversidade cultural pouco conhecida por quem apenas visita como turista as nações vizinhas ao Brasil. Os falsos cognatos entre o espanhol e o português, as comidas e outros aspectos de cada país fazem com que alguns indivíduos vivenciem uma experiência de adaptação mais difícil.

O Paraguai, país que faz fronteira com o Brasil ao longo de 1365 quilômetros através dos estados do Mato Grosso do Sul e do Paraná, é um dos destinos mais procurados pelos brasileiros que pretendem estudar medicina no exterior. Entretanto, mesmo com essa proximidade geográfica, a adaptação cultural desses novos moradores apresenta desafios que, se não forem efetivamente superados, podem inviabilizar o sonho da carreira médica, não por aspectos acadêmicos, mas por questões psicoemocionais.

Os multifacetados desafios enfrentados pelos estudantes brasileiros no Paraguai podem ser categorizados em desafios acadêmicos, culturais e emocionais.

 

Desafios Acadêmicos

Uma das primeiras dificuldades encontradas é a necessidade de adaptação ao currículo diferente do que estão acostumados no Brasil. As universidades paraguaias podem ter uma estrutura curricular distinta, com variações na sequência das disciplinas, na carga horária e na abordagem dos conteúdos. Os estudantes precisam se familiarizar rapidamente com essas diferenças para acompanhar o ritmo do curso. Além disso, algumas disciplinas podem ter um enfoque mais aprofundado em determinadas áreas da medicina que podem não ter sido tão enfatizadas em seus estudos anteriores, exigindo um esforço extra para alcançar o mesmo nível de compreensão que seus colegas locais.

As metodologias de ensino adotadas pelas universidades paraguaias podem diferir significativamente das utilizadas no Brasil. Enquanto os estudantes brasileiros podem estar mais acostumados a métodos de ensino baseados em aulas expositivas e provas escritas, as instituições no Paraguai podem utilizar uma combinação de métodos, incluindo provas orais, discussões em grupo, aprendizado baseado em problemas (PBL) e avaliações práticas frequentes. Essas metodologias exigem dos alunos uma maior participação ativa e uma adaptação a diferentes formas de avaliação. A mudança de métodos pode ser desafiadora, especialmente para aqueles que não estão habituados a avaliações orais ou a apresentações regulares diante de colegas e professores.

O domínio do espanhol é crucial para o sucesso acadêmico dos estudantes brasileiros no Paraguai. A necessidade de acompanhar as aulas, ler materiais didáticos e interagir com professores e colegas em uma língua estrangeira pode ser um dos obstáculos mais desafiadores. Mesmo que os estudantes tenham um conhecimento básico do espanhol, a linguagem técnica e específica da medicina pode apresentar dificuldades adicionais. Termos médicos, jargões e a velocidade com que as aulas são ministradas requerem um nível de proficiência elevado. Além disso, a interação em atividades práticas e estágios clínicos, onde a comunicação eficaz é essencial para a aprendizagem e para a segurança dos pacientes, depende diretamente da fluência no idioma. Para superar essa barreira linguística, muitos estudantes dedicam tempo adicional ao estudo do espanhol, participam de cursos de idiomas e buscam praticar a língua no dia a dia. No entanto, a imersão total e a prática contínua são fundamentais para alcançar a fluência necessária.

 

Desafios Culturais

A adaptação a um novo ambiente cultural é um processo complexo que envolve entender e respeitar as normas sociais e práticas locais. Para os estudantes brasileiros que optam por cursar medicina no Paraguai, essa adaptação pode ser complicada pela barreira linguística e por diferenças culturais significativas, inclusive entre as cidades escolhidas como destino no país vizinho. Os desafios culturais enfrentados por esses estudantes podem ser analisados em várias dimensões, incluindo barreiras linguísticas, normas sociais e culturais, alimentação e o estilo de vida.

Cada país tem suas próprias normas sociais e culturais que influenciam a interação diária e a vida acadêmica. No Paraguai, os brasileiros em geral, devem aprender a navegar por essas normas, que podem diferir consideravelmente das suas experiências no Brasil. Em especial, na vida acadêmica, existem algumas áreas onde as diferenças podem ser mais pronunciadas. Aspectos como pontualidade, formalidade no trato com professores e colegas, e práticas de convivência podem exigir um cuidado especial por parte do radicado. A compreensão e o respeito por essas normas são cruciais para uma adaptação bem-sucedida.

Como mencionado anteriormente, embora o espanhol e o português sejam línguas românicas e compartilhem muitas semelhanças, a comunicação efetiva em um ambiente acadêmico e social no Paraguai pode ser desafiadora, principalmente quando envolve os falsos cognatos e as nuances específicas de cada língua que podem gerar a mal-entendidos e uma dificuldade na comunicação diária. A fluência no espanhol, essencial para acompanhar as aulas e interagir com professores, torna-se indispensável para participar plenamente da vida social e cultural do país.

Alguns brasileiros preferem manter-se em uma “bolha” de compatriotas e pouco exploram as diversidades apresentadas pelo país anfitrião. Embora essa atitude possa parecer reconfortante, ela pode se tornar uma armadilha devido à volatilidade das relações humanas em um ambiente de exaustão psicológica, como é comum na vida acadêmica. Não ter um domínio social local adequado pode privar esses indivíduos de aderirem a programas sociais, usufruir de serviços públicos e frequentar ambientes sociais e culturais que os ajudariam a enfrentar melhor essa árdua trajetória.

A alimentação e o estilo de vida no Paraguai podem ser bastante diferentes do que os brasileiros estão acostumados. Adaptar-se a novos hábitos alimentares, ingredientes e pratos locais pode ser desafiador, especialmente para aqueles que escolhem cidades paraguaias mais distantes das fronteiras brasileiras. Localidades como Pedro Juan Caballero e Ciudad del Este, vizinhas a Ponta Porã no estado do Mato Grosso do Sul e Foz do Iguaçu no estado do Paraná, respectivamente, podem facilitar essa adaptação alimentar e cotidiana, visto que estão separadas apenas por uma avenida e por uma ponte. Essa proximidade cria um ambiente sui generis de aculturação, onde ambas as localidades, apesar de estarem em países distintos, compartilham similaridades familiares às duas nacionalidades. Entretanto, localidades como Asunción, capital do Paraguai, podem apresentar dificuldades mais severas e específicas que podem exigir ajustes significativos por parte dos novos moradores.

 

Desafios Emocionais

A pressão acadêmica é um desafio constante na vida de qualquer estudante de medicina, independentemente do país onde estudam. Este estresse pode ser exacerbado pela sensação de estar sendo constantemente avaliado um ambiente estrangeiro e pela necessidade de provar sua competência para os familiares e amigos que ficaram no Brasil.

A distância física e emocional da rede de apoio no Brasil pode ser um dos aspectos mais difíceis para os estudantes internacionais. Estar longe de familiares e amigos próximos, que geralmente são fontes primárias de conforto e apoio emocional, pode causar sentimentos intensos de isolamento e saudade. A ausência de um sistema de suporte familiar no novo país pode exacerbar a sensação de solidão, principalmente em momentos de dificuldade acadêmica ou pessoal. Além disso, a impossibilidade de participar de eventos familiares importantes, como aniversários, feriados e outras celebrações, inclusive velórios e enterros de pessoas ou parentes próximos, pode aumentar a sensação de desconexão e perda.

O gerenciamento eficaz do tempo é crucial para equilibrar as demandas acadêmicas com as necessidades pessoais e sociais. Estudantes de medicina precisam desenvolver habilidades sólidas de organização e planejamento para lidar com a carga de trabalho intensa. A falta de um bom gerenciamento do tempo pode resultar em esgotamento, comprometendo tanto o desempenho acadêmico quanto o bem-estar emocional.

 

Estratégias de Superação

Para superar os desafios enfrentados durante a formação médica no Paraguai, os estudantes desenvolvem diversas estratégias de adaptação que englobam desde a preparação acadêmica até o fortalecimento emocional e social. Essas estratégias são cruciais para garantir que os estudantes não apenas sobrevivam, mas prosperem em seu novo ambiente.

A Dra. Fabiana Gnoatto adotou várias estratégias eficazes que podem servir de modelo para outros estudantes.

1.     Estudo Antecipado: Investir tempo no estudo das disciplinas básicas e no aprendizado do espanhol antes de iniciar o curso ajuda na adaptação inicial. Muitos estudantes começam a se preparar antes mesmo de chegar ao Paraguai, estudando disciplinas básicas de medicina e aprimorando seu conhecimento na nova língua. Essa preparação prévia pode dar-se através de cursos online, leitura de livros e materiais didáticos em espanhol, e até mesmo aulas de conversação.

2.     Participação Ativa nas Aulas: Uma vez no Paraguai, é fundamental que os estudantes se envolvam ativamente nas aulas. Participar de discussões, fazer perguntas e colaborar com colegas pode ajudar a consolidar o conhecimento e a familiarizar-se com o estilo de ensino da instituição.

3.     Formação de Grupos de Estudo: Criar ou participar de grupos de estudo é uma estratégia eficaz para revisar o material acadêmico, esclarecer dúvidas e preparar-se para as avaliações. Os grupos de estudo também proporcionam um espaço para apoio mútuo e troca de experiências entre os estudantes.

4.     Desenvolvimento de Redes de Apoio Locais: Estabelecer conexões com outros estudantes brasileiros e locais e participar de atividades extracurriculares, facilitou a integração cultural e forneceu suporte emocional. Participar de associações estudantis, eventos sociais e atividades extracurriculares facilita a construção de amizades e oferece oportunidades para compartilhar experiências e estratégias de superação.

5.     Manutenção de Contato com a Família e Amigos: Utilizar tecnologias como chamadas de vídeo, mensagens instantâneas e redes sociais para manter contato regular com a família e amigos no Brasil ajuda a mitigar a saudade e o sentimento de isolamento. Planejar visitas periódicas, sempre que possível, também pode fortalecer os laços e oferecer um refúgio emocional.

6.     Apoio Psicológico: Buscar apoio psicológico, seja através de serviços oferecidos pela instituição de ensino ou por meio de profissionais locais, pode ser essencial para lidar com o estresse e a ansiedade. Terapias individuais ou em grupo ajudam os estudantes a desenvolver resiliência e estratégias de enfrentamento.

7.     Participação em Atividades Culturais: Envolver-se em atividades culturais, como festivais locais, eventos esportivos e culinários, pode enriquecer a experiência no exterior e facilitar a integração. Conhecer e respeitar as tradições e práticas locais ajuda a construir um entendimento mais profundo e uma maior conexão com a comunidade. Os estudantes que não se integram ao ambiente local podem perder valiosas oportunidades de crescimento pessoal e profissional. Participar ativamente da cultura local e construir uma rede de apoio diversificada é crucial para superar os desafios culturais e garantir uma experiência enriquecedora no exterior.

8.     Adaptação Alimentar e de Estilo de Vida: Experimentar a culinária local e ajustar-se aos hábitos alimentares paraguaios pode ser uma maneira agradável de se adaptar à nova cultura. Além disso, ajustar-se ao estilo de vida local, incluindo horários de refeições, padrões de sono e atividades de lazer, ajuda a criar uma rotina equilibrada.

9.     Planejamento e Organização: Desenvolver um plano de estudos bem estruturado e uma agenda semanal que inclua tempo para estudo, lazer, atividades físicas e descanso é essencial para manter o equilíbrio. Utilizar ferramentas de gerenciamento de tempo, como aplicativos de calendário e listas de tarefas, pode ajudar a manter a organização.

10. Priorização de Tarefas: Aprender a priorizar tarefas e estabelecer metas diárias ou semanais ajuda a manter o foco no que é mais importante. Dividir grandes tarefas em etapas menores e mais gerenciáveis torna o trabalho mais acessível e menos estressante.

11. Autocuidado e Lazer: Priorizar o autocuidado, mantendo um equilíbrio entre os estudos e atividades de lazer, ajudou a lidar com o estresse e a manter a saúde mental. Reservar tempo para atividades de lazer e autocuidado, como hobbies, exercícios físicos, meditação e socialização, é crucial para prevenir o esgotamento. Manter um equilíbrio entre responsabilidades acadêmicas e pessoais contribui para um bem-estar geral.

 

CONCLUSÃO

A trajetória dos estudantes brasileiros na formação médica no Paraguai é repleta de desafios, mas também de oportunidades de crescimento pessoal e profissional. Superar esses desafios requer uma combinação de preparação acadêmica, fortalecimento emocional, integração cultural e gerenciamento eficaz do tempo. As experiências da Dra. Fabiana Gnoatto revelam lições valiosas que podem beneficiar futuros estudantes a enfrentarem esses desafios.

Ser flexível e aberto a novas experiências é crucial para se adaptar a diferentes ambientes acadêmicos e culturais. A determinação em enfrentar e superar desafios, mesmo diante de dificuldades significativas, é essencial para alcançar o sucesso. Construir e manter uma rede de apoio forte é vital para lidar com a pressão acadêmica e emocional. Entender as próprias limitações e saber quando buscar ajuda é fundamental para manter a saúde mental e emocional.

As experiências da Dra. Fabiana Gnoatto ilustram que, com determinação, estratégias adequadas e suporte, é possível superar os obstáculos e alcançar sucesso na carreira médica. Com essas estratégias, os estudantes podem transformar uma experiência desafiadora em uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional, alcançando sucesso em suas carreiras médicas enquanto desfrutam de uma experiência internacional enriquecedora.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Botelho Soares Dutra Fernandes, Romera, Bezerra Gonçalves Pereira, Kemp Marini, Mussi, Berti Alvizi E, et al. Medicina No Paraguai - Uma Análise Do Ensino Médico Sob A Ótica Dos Estudantes. In Pesquisas e Inovações em Ciências da Saúde e Biológicas: Produções Científicas Multidisciplinares no Século XXI.; 2022. p. 149 - 161.

 

2. Xavier J. Analisando o Retorno no Fluxo às Avessas: Brasileiros Estudando Medicina na Bolívia e Paraguai. Revista Perspectiva: Reflexões Sobre a temática Internacional. 2023; 15(28).

 

3. Almeida Renovato. Repositorio - Universidade Federal da Grande Dourados. [Online].; 2021 [cited 2024 24 05. Available from: https://repositorio.ufgd.edu.br/jspui/handle/prefix/4546.

 

4. Li AY, Kalagara R, Asfaw Z, Schupper AJ, Siddiqui F, Hannah TC, et al. Subspecialty and Training Preferences for U.S. Neurosurgery Faculty with International Training. World Neurosurgery 2022;164:e326-34. https://doi.org/10.1016/j.wneu.2022.04.105.

 

5. Menez M. López Rodríguez, Florente. En: Jacó-Vilela AM, Klappenbach H, Ardila R, editores. The Palgrave Biographical Encyclopedia of Psychology in Latin America, Cham: Springer International Publishing; 2023, p. 704-7. https://doi.org/10.1007/978-3-030-56781-1_40.

 

6. Brean A. Bring medical studies home to Norway. Tidsskrift for Den Norske Legeforening 2022. https://doi.org/10.4045/tidsskr.22.0504.

 

7. Ossai EN, Una AF, Onyenakazi1 RC, Nwonwu EU. Emigration Plans after Graduation of Clinical Medical Students of Ebonyi State University Abakaliki, Nigeria: Implications for Policy. Nigerian Journal of Clinical Practice 2020;23:995-1003.

 

8. Li AY, Asfaw ZK, Kalagara R, Schupper AJ, Yaeger KA, Siddiqui F, et al. Academic Productivity of United States Neurosurgeons Trained Abroad. World Neurosurgery 2021;152:e567-75. https://doi.org/10.1016/j.wneu.2021.06.026.

 

9. Chetty S. The Making of a Surgeon. En: Chetty S, editor. Reconstructive Surgery and Modernisation in Twentieth-Century South Africa: The Professional and Public Life of Jack Penn, Cham: Springer Nature Switzerland; 2023, p. 35-53. https://doi.org/10.1007/978-3-031-38673-2_3.

 

10. Bhugra D, Smith AJ, Ventriglio A, Rao N, Ng R, Javed A, et al. World Psychiatric Association-Asian Journal of Psychiatry Commission on the Mental Health and Wellbeing of International Medical Graduates. Asian Journal of Psychiatry 2024;93:103943. https://doi.org/10.1016/j.ajp.2024.103943.

 

11. Weisz G, Nannestad B. The World Health Organization and the global standardization of medical training, a history. Global Health 2021;17:96. https://doi.org/10.1186/s12992-021-00733-0. 

 

12. Sawaf B, Abbas F, Idris A, Al Saadi T, Ibrahim N. Specialty preference and intentions to study abroad of Syrian medical students during the crisis. BMC Med Educ 2018;18:39. https://doi.org/10.1186/s12909-018-1146-x.

 

13. Patel D, Mullen M, Eley DS. A Paradigm Shift from International to Transnational Medical Education. MedSciEduc 2023;33:1227-30. https://doi.org/10.1007/s40670-023-01843-7.

 

14. Farhan S. Women Doctors and the Medical Profession in Iraq during the First Half of the Twentieth Century. Journal of Middle East Women’s Studies 2022;18:59-80. https://doi.org/10.1215/15525864-9494150.

 

15. Ferreira T, Collins AM, Feng O, Samworth RJ, Horvath R. Career intentions of medical students in the UK: a national, cross-sectional study (AIMS study). BMJ Open 2023;13:e075598. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2023-075598.

 

FINANCIAMENTO

Os autores não receberam financiamento para esta pesquisa.

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram que não há conflito de interesses.

 

CONTRIBUIÇÃO DA AUTORIA

Conceitualização: Eduardo Paglioni Salama, Fabiana Gnoatto.

Curadoria de dados: Eduardo Paglioni Salama, Fabiana Gnoatto.

Pesquisa: Eduardo Paglioni Salama, Fabiana Gnoatto.

Redação - rascunho original: Eduardo Paglioni Salama, Fabiana Gnoatto.

Redação - revisão e edição: Eduardo Paglioni Salama, Fabiana Gnoatto.